Mayara Mattos
Seguindo a ordem da dinastia Bourbon na Espanha um jovem príncipe assume o
trono após a abdicação do rei que já não possuía condições de governar. Em meio
aos plebeus, as carruagens reais passavam, rearranjo dos títulos da nobreza e
dos gloriosos benefícios eram necessários para se instaurar a nova governança.
O futuro rei era aclamado por uma multidão calorosa, festas eram realizadas em
homenagem a esse grande evento e todos os holofotes estavam direcionados a
família real, que é a expressão de Deus na terra.
Essa
história poderia estar situada num passado longínquo, mas ocorreu em junho de
2014. Felipe VI de Bourbon subiu ao trono espanhol devido a escândalos que
envolvia corrupção e tráfico de influência dentro da sua própria família, o que
se agravou com a crise econômica que insiste em assolar o país. Porém, esse
histórico foi abafado pela imprensa espanhola que veiculava insistentemente os
atributos de majestade do novo rei. Esportista, falante fluente de várias
línguas, marido fiel e pai de duas lindas garotas, alto, loiro, de olhos azuis
e educado nos principais centros de ensino do mundo (como todo bom nobre),
Felipe VI era evocado como a salvação de um governo imerso em graves problemas
políticos. Até mesmo a copa das tropas que ocorria no Brasil foi esquecida pela
imprensa espanhola, a coroação era o foco de toda a imprensa.
É
comum que se pense nos meios de comunicação dos países ditos desenvolvidos,
como veículos comprometidos com a informação e circulação livre de ideias que
abrange o público como um todo, e em que a liberdade de expressão é plenamente
respeitada. Esse é mais um dos mitos que se reproduz, a imagem da Europa e dos
EUA como blocos homogêneos de democracia inegável, economia exemplar e onde
tudo funciona perfeitamente bem, isso desemboca na falácia de uma plenitude
social, política e econômica que seria o padrão a ser seguido pelos
subdesenvolvidos da cadeia de dominação.
Esses
países colonizadores (do passado ao presente) comandam as estratégias
econômicas e oferecem modelos de prosperidade, tipo o consumo em massa expresso
pelo seu melhor cúmplice, o capitalismo. Assim, minha intenção aqui é de
desestabilizar representações dadas como absolutas e questionar nossas ações
que refletem a possibilidade única de existência oferecida pelo eixo consagrado
do mundo.
O
ideal de que esses países seguiram um caminho unilinear do desenvolvimento, o
qual desembocou no estado de bem estar social pleno e democracia perfeita, é o
que impulsiona os países com o rótulo de emergente a prosseguirem com sua
caminhada fatídica. E a imprensa tem um papel fundamental nessa trama, muitas
vezes ela nega ou obscurece as formas de imperialismo dos países modelos ou
qualquer outro evento que seja contrário a expectativa (ex. espionagem),
focando, normalmente, nos indicadores do desenvolvimento, PIB e IDH, para que
os legitimem como detentores da ordem e do progresso, os quais corremos
cegamente atrás. Nega-se, portanto, a reflexão de quais foram as condições
criadas pelos países consagrados pelo desenvolvimento para estarem no ápice da
pirâmide criadas por eles mesmos. Parece que se prefere deixar nos livros de
história, nem todos muito comprometidos com a boa qualidade na informação, as
respostas a esses questionamentos. Pois, deixa-se de conectar o suposto apogeu
dos países exploradores com a colonização brutal empreendida pelos mesmos,
naturalizando a linha evolutiva do desenvolvimento em que todos os outros
países estão passando, ou pelo menos deviam.
Assim,
quando se tenta encontrar uma explicação para os nossos "atrasos" (de
novo a ideia da corrida rumo a um ponto de chegada), aciona-se o fato de termos
sido colonizados e não de termos colonizado. Desse modo, legitima-se a
necessidade de explorar o "outro", seja ele representado por grupos
fora do território nacional ou pela grande massa marginalizada, como pobres,
pretos, indígenas e imigrantes. O Brasil tomou lições de modo exemplar, a nossa
classe dominante, fruto da elite colonial, tende a explorar nossos vizinhos
latino americanos que se encontram em situações econômicas menos favoráveis.
Além de empreender constantes desrespeitos constitucionais em face dos sujeitos
considerados entraves ao desenvolvimento tanto almejado, vide as mazelas das
populações ameríndias.
Esses
massacres diários, mascarados e justificados por expressões bem estruturadas no
imaginário popular, como bem da nação, progresso e ordem, têm seu impacto
diminuído nos olhares daqueles que não conseguem conceber outros modos de
existência, a não ser aquele legitimado pelo circuito colonial. O modelo de
desenvolvimento, intrínseco na nossa visão de mundo, não nos permite admitir a
fuga dos valores impregnados pela lógica da dominação, acabamos por reproduzir
o caminho empreendido pelos nobres e racionais conquistadores, custe o que
custar.
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