- Êpa, essa viagem foi muito rápida! - Tô com muito calor! Essa roupa laranja é um inferno. - C viu? Quase morreu. Foi um grande estouro. - Os portões da escolha foi aberto. Saiu um monte de gente de uma vez. Encavalou. - Frita pastel e coxinha Rute. - Vô leva esse pilantra no pau! Zé subiu no andaime. Maria chegou na casa de Andreia para cuidar do Pedrinho. Raimundo acabou desistindo de faltar ao trabalho. Laura faltou e comprou um atestado na praça 7. Ninguém aqui é vítima. Ninguém aqui sou eu.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Sem avanços e com direito a retrocesso

   Mayara

"A tarefa de uma política democrática não é eliminar as paixões ou relegá-las à esfera privada para possibilitar um consenso racional, mas mobilizar essas paixões e colocá-las em cena segundo dispositivos agonísticos que favorecerão a respeito do pluralismo. Em lugar de representar um perigo para a democracia, o enfrentamento agonístico na verdade é sua própria condição de existência."  Chantal Mouffe.


Depois de um dia exausto de expressão da democracia, os eleitores devem ter se sentido desobrigados politicamente pelo menos até o dia 26 de Outubro, quando ocorrerá o segundo turno de uma eleição bizarra (não que as outras tenham sido menos absurdas, mas é que essa me chocou um pouco mais).

Para esclarecer, nunca saí de casa para votar, não acredito no sistema político da forma que ele opera, e penso política de modo muito mais abrangente do que simplesmente votar. Principalmente porque essa lógica do menos pior me irrita tremendamente, a governamentabilidade e seus reflexos não me asseguram qualquer confiança em escolher alguém, nem mesmo a Luciana Genro.

É fato que o perigo da direita nos ronda temerosamente, e isso também me assusta, mas me faz perceber porque a democracia é um sistema ultrapassado e falho. Aécio não deveria ser opção nem em Cláudio, no entanto ele desponta como grande possibilidade de mudança para o país (nos meus termos, leia-se regressão). Os argumentos pelos quais alguns defendem essa postura me chocam, seja simplesmente por quererem um país sem os petralhas, ou por achar que o PSDB sempre foi melhor opção, o que me horroriza nisso é o completo esvaziamento político dos motivos pelos quais as pessoas escolhem um candidato. Ou se pautam na simpatia, como se política fosse um relacionamento em que você investe naquele que mais tem afinidade, ou tratam a corrida eleitoral como uma corrida de cavalos, e apostam em quem está ganhando. Esquece-se que existem pessoas que são diretamente influenciadas pelas demandas políticas dos candidatos. Que o digam os grupos historicamente subalternizados (índios, negros, mulheres, etc.), sofrendo na pele o reflexo de uma política feita na base da intolerância argumentativa.

Enfim, a reflexão não é suscitada, não se possui um posicionamento crítico quanto a outros possíveis modos de fazer e atuar politicamente, ou pelo menos quanto às propostas dos candidatos em pauta, o que se tem é muita paixão em jogo. Veste-se a camisa de um candidato como se fosse futebol, falta diálogo para mostrar que política se faz com argumentos e discussões. No entanto, continuamos reproduzindo a ideia de que futebol, religião e política não se discute. MENTIRA, esses assuntos devem entrar sim nas agendas de discussão, e não só nas eleições, mas principalmente num cotidiano cheio de motivos para isso. Se fosse assim, perceberíamos realmente de quem é a culpa quando esperamos por horas um busão que passa lotado, quando as áreas de aglomerado urbano se destacam na paisagem, quando gente morre diariamente na fila do SUS, os exemplos podem ser infinitos…

Assim, a constatação do provérbio se fortalece por muita gente achar que uma essência ronda o seu ser, o que não permite que elas mudem de opinião. Afinal, opinião cada um tem a sua e ponto final. É como se não fosse possível trocar experiências, como se numa discussão não fosse plausível considerar os argumentos dos outros como uma forma de repensar e refletir suas próprias ideias. O problema não diz respeito a emitir opinião, prática que se consolidou muito bem na era midiática, haja vista a ferramenta dos comentários disponível em qualquer portal da internet. O que quero apontar é um estranho particularismo ao possuir um determinado ponto de vista sobre um assunto. As pessoas tendem a não querer dialogar sobre assuntos "polêmicos", pois se assustam com a possibilidade de mudarem de ideia, ou de simplesmente terem que repensar suas convicções. Ninguém quer assumir seu potencial racista, homofóbico ou classista, quando uma discussão toma esses rumos as pessoas são incapazes de escutar argumentos que demonstrem como suas atitudes e discursos seguem por essa lógica. Preferem se esconder em posturas ignorantes e não dialógicas ou por trás de frases desoladoras como: "até tenho amigos gays" (podem ser negros também).

Essa apatia política compensada no direito democrático ao voto é a responsável por uma realidade sem expectativa de mudanças reais, pois independentemente de quem ganhar nessas eleições (os bossais do congresso tão aí para consolidar isso), sei exatamente quem perderá. Não desconsidero que com Aécio as coisas serão muito piores, é o que a direita faz de melhor: fuder a vida dos pobres em nome do bem da nação. No entanto, essa situação de confinamento político deveria, no mínimo, ensejar uma discussão política de como as atuais possibilidades de exercer a cidadania são enclausuradoras, sobre como não é mais viável continuar defendendo um sistema político baseado em diretrizes coloniais.

Por outro lado, se alguns defendem que o PT, representado presidencialmente pela Dilma, é a melhor opção, quando não há outra opção, eu prefiro continuar atuando politicamente de outras maneiras. Não suporto a ideia de defender um governo genocida, o pior para as populações indígenas desde a redemocratização, sendo as comunidades e povos tradicionais os mais afetados com os projetos desenvolvimentistas petistas. Sem contar a política de extermínio da juventude negra que se consolida diariamente e a repressão e o estado de sítio criados durante a copa. Ou seja, esse governo insiste em reproduzir os ideais neo-liberiais, e não sou obrigada a compactuar com isso. 

Acredito em micropolítica (atuações pontuais em determinados espaços de convivência e luta coletiva) e empoderamento popular e vou continuar atuando politicamente por essas esferas de poder. Defender o menos pior não é opção pra mim, isso na verdade é derrotismo. Essa macro política que não exprime a realidade local de comunidades que não podem ser vistas sob a lógica de potenciais trabalhadores/consumidores, como os petistas em sua maioria defendem sua guinada política, não me representa. O que quero dizer é que não acho justo apoiar uma pessoa e/ou partido que não contempla minha luta (nem de longe) simplesmente porque o outro lado (e sei disso) é ainda mais obscuro e problemático. É como se colocassem uma arma na minha cabeça e eu tivesse que escolher entre ser estuprada ou morta (a correlação é pesada, mas satisfaz meus sentimentos nesse momento). Vou defender sempre uma terceira via, não me reduzo às imposições desse sistema, e se eles dizem que só existem duas opções, eu digo que lutarei nas ruas, e diariamente tomarei posturas para que nenhum dos dois governe.