- Êpa, essa viagem foi muito rápida! - Tô com muito calor! Essa roupa laranja é um inferno. - C viu? Quase morreu. Foi um grande estouro. - Os portões da escolha foi aberto. Saiu um monte de gente de uma vez. Encavalou. - Frita pastel e coxinha Rute. - Vô leva esse pilantra no pau! Zé subiu no andaime. Maria chegou na casa de Andreia para cuidar do Pedrinho. Raimundo acabou desistindo de faltar ao trabalho. Laura faltou e comprou um atestado na praça 7. Ninguém aqui é vítima. Ninguém aqui sou eu.

terça-feira, 28 de abril de 2015

DESENHANDO OS FEMINISMOS

Mayara Mattos



Vou aproveitar o gancho do texto da Carol (http://blogterceiroopiniao.blogspot.com.br/2015/04/oamor-tem-cor-1-muitas-mulheres-negras.html) para continuar falando com as mulheres. Nas últimas semanas as notícias mais lidas e que entraram nos círculos de debates (principalmente via facebook) foram casos que envolviam violências de gênero[1].

No dia internacional da mulher (detalhe: tinha acabado de voltar do DiversaS: Feminismo, Arte e Resistência, evento de muita sororidade e força, organizado por mulheres maravilhosas), entrei numa discussãoem que um homem cis* hetero branco e de classe média alta defendia em uma postagem no Facebook que não há necessidade das mulheres se vitimizarem para alcançar seus objetivos. O post é de uma mulher branca segurando um cartaz em que ela se posiciona contra o feminismo[2]. Descobri depois que existem alguns canais de mulheres que se dizem contra o movimento e ridicularizam mulheres emancipadoras[3]. Isso não me assustou muito, pois compartilho das proposições de Paulo Freire que defendem que enquanto a educação não for realmente libertária, a tendência do oprimido é uma dia querer se tornar o opressor. Além de que, sugiro que essa resistência que algumas mulheres possuem em relação aos movimentos feministas talvez aconteça devido ao alinhamento de muitas de nós a posições delimitadamente de esquerda, o que contraria aquelas em suas posturas neo-liberais, em que a preocupação maior gira em torno de uma maior inserção da mulher no mercado de trabalho, ou seja, a uma emancipação quase exclusivamente econômica. 

Decidi escrever esse texto no intuito de esclarecer porque os feminismos (sim, no plural, pois não existe uma pauta com uma direção para o movimento e a luta é interseccional), são fundamentais nas desconstruções de processos naturalizados, como o que a Carol explicita no texto da semana passada, além de serem preponderantes na luta que visa o empoderamento feminino e contra o "cistema" sexista. Talvez, com esse tipo de reflexão fique mais fácil entender essas questões que são tão caras as feministas e muitas vezes ridicularizadas não só pelos machos alfa como também por mulheres que dizem não compartilhar da luta.

A postagem em questão não é um caso isolado, comentários que direcionam os movimentos feministas para a lógica da vitimização são constantes (passei por uma situação, poucos dias antes, envolvendo uma agressão a uma mulher que também foi desclassificada por um homem cis, afirmando não ter ocorrido machismo no caso em questão), isso ocorre até mesmo entre os revolucionários de esquerda[4] e com muito mais frequência do que se imagina. Cansei de ouvir todos os tipos de chacotas e insultos ao me posicionar como feminista, seja no sentido de desmerecer o movimento ou como simples alegoria de uma mulher que quer estar na posição de um homem, inclusive acionando o termo feminazi, que pretende alinhar às feministas a posições de intolerâncias quanto aos homens (Desculpem por não querer me submeter e ser benevolente com seu machismo, ops… nenhuma desculpa). Muitos desses comentários esboçavam um completo desconhecimento a respeito dos movimentos feministas e das diversas pautas em proposição. Assuntos de "mulheres" tendem, realmente, a serem invisibilizados, os espaços de discussão são minimizados e relegados a futilidades, e é assim que muita gente generaliza o feminismo. Os machismos diários estão nos detalhes[5].

Quando digo que a luta é interseccional, penso exatamente nas categorias que se cruzam, desenvolvendo uma postura mais voltada a questões de gênero, classe ou raça, a depender da trajetória que cada sujeitx foi traçando. É muita inocência achar que pelo fato de alguns setores da esquerda defenderem a dissolução de todos sistemas de privilégios, esses discursos serão completamente absorvidos por todas as pessoas de modo semelhante. Somente uma mulher (cis ou trans) sabe as dores que o machismo e a misoginia imputam diariamente, quem sofre as mais variadas formas de violências, nesses processos, são corpos femininos. E se levarmos em consideração o intercruzamento das categorias identitárias, os corpos de mulheres negras/indígenas e pobres estão muito mais vulneráveis aos interpostos do patriarcado. 

É por isso que me irrita profundamente o fato de homens se sentirem no direito de afirmar se uma mulher sofreu ou não machismo, e pensando por essas identidades múltiplas, o que faz um homem ou uma mulher branca achar que ele/ela sabe exatamente o que uma mulher negra e/ou pobre quer e/ou precisa ou como ela deveria viver? Pra quem nunca sofreu racismo, machismo, homofobia (lembrando que isso pode acontecer tudo junto) nem qualquer outro tipo de segregação/opressão, nunca vai saber o que é estar na posição do oprimido, mesmo quem adere aos movimentos e se dizem progressistas ainda não podem se colocar nesse lugar, a fala do negro/da mulher/e qualquer grupo em situação de desigualdade deve ser sempre respeitada. Homens brancos tendem a querer pautar qualquer discussão como se fossem sempre especialistas, pois acostumaram a serem legitimados e autorizados em se posicionar com muita facilidade no lugar dos "outros".

Iniciei esse texto expondo os recentes casos de violência de gênero, as quais poderíamos incluir (infelizmente) uma longa lista, inclusive o caso hediondo de agressão sofrida por Verônica Bolina[6], trans torturada e exposta a grande humilhação por agentes estatais. Fatos menos chocantes, mas não menos violentos, como o caso de um professor de direito da PUC[7] que afirmou em sala de aula que "leis e mulheres foram feitas pra serem violadas" também demonstram a enorme defasagem que a falta de discussão em termos colocados pelos feminismos pode causar.

Machismo, lesbofobia, transfobia, sexismo… tudo isso mata. Feminismo empodera mulheres, constrói relações mais horizontais, discute e tenta proporcionar uma dinâmica de vida que contemple as especificidades femininas, respeitando a diversidade e desconstruindo normatizações que só servem aos interesses do Estado patriarcal. Por isso, convido quem não conhece ou não leu o suficiente a respeito, que se informe a partir dos textos sugeridos (ou por meio de outros também) e se abram para espaços mais inclusivos de discussão e autonomia. Que aprendam a dividir privilégios, não monopolizando suas categorias apenas para interesses que o satisfaçam, que se juntem às mulheres, não para falar sobre elas, mas para construir com elas, respeitando seus lugares de falas e atentando a possíveis opressões que podem ocorrer nas diferentes relações cotidianas.

Assim, "seguiremos em luta até que todas sejamos livres!"  


* O alinhamento cis envolve um sentimento interno de congruência entre seu corpo(morfologia) e seu gênero, dentro de uma lógica onde o conjunto de performances é percebido como coerente. Em suma, é a pessoa que foi designada “homem” ou “mulher”, se sente bem com isso e é percebida e tratada socialmente (medicamente, juridicamente, politicamente) como tal.





quinta-feira, 23 de abril de 2015

O AMOR TEM COR?[1]

                                                                                                               


Muitas mulheres negras sentem que em suas vidas existe pouco ou nenhum amor. Essa é uma de nossas verdades privadas que raramente é discutida em público. Essa realidade é tão dolorosa que as mulheres negras raramente falam abertamente sobre isso.  Bell Hooks


                                                                     
Um pouco antes de passar pelo processo de transição capilar, [contei sobre isso aqui: http://blogterceiroopiniao.blogspot.com.br/2014/06/se-o-cabelo-e-meu-deixa-eu-cachear.html] passei por um período no qual eu buscava ler estudos e blogs que tratassem de assuntos sobre a questão da consciência identitária da mulher negra e sua relação com o cabelo. Acontece que em uma dessas buscas acabei me deparando com uma temática que me intrigou muito e da qual eu nunca havia me questionado: “o mercado matrimonial da mulher negra e a decorrente solidão afetivo-sexual”[2].

Li diversos relatos de mulheres negras, de diferentes classes e capital cultural, e todas traziam uma narrativa muito parecida no que concerne aos relacionamentos afetivos. A narrativa dessas mulheres me fez perceber que muitas das situações vividas por elas eram parecidas com as minhas. Foi um choque me deparar com isso. Eu não sabia (e ainda não sei) como lidar com aquilo (isso). Por um lado, eu estranhava o porquê de nunca ter me questionado sobre isso, por outro, passei a reviver em memória toda minha vida afetiva com outro olhar, um olhar menos iludido e menos naturalizado. E fazer isso foi e ainda é muito doloroso pra mim, porque de repente passei a perceber que diversas situações vividas e não-vividas talvez estivessem relacionadas com a cor da minha pele.

Tenho 27 anos e nunca namorei. Nunca havia passado pela minha cabeça que ser uma mulher negra pudesse ser um fator relevante para justificar essa minha condição, mas hoje penso que o fato de eu ser uma ‘garota estranha’ (essa era uma das minhas justificativas), talvez não seja o único fator determinante na dificuldade de manter um relacionamento afetivo.

Minha vida amorosa é marcada por uma infinidade de amores platônicos, sempre marcados por expectativas dentro de uma lógica onde nada é realmente impossível enquanto nada é possível. Meu primeiro amor do jardim de infância já era um prenúncio do que seria minha [não] vida afetiva. No primeiro dia de aula eu me apaixonei por um menino da sala, morria de amores pelo tal Rodolfo, mas ele gostava e vivia atrás de outras duas meninas da turma, gêmeas, branquinhas, bonitinhas do cabelo perfeito. A adolescência foi terrível, durante todo o meu período escolar eu nunca fiquei com alguém da minha escola. A verdade é que nunca me senti bonita e muito menos desejada por nenhum dos meninos da escola. Alisava meu cabelo numa tentativa frustrada de me encaixar em um padrão de beleza feminina, mas mesmo assim eu não era a garota “escolhida”. Eu era a amiga, o “brother”, servia de ponte entre minhas amigas e seus pretendentes, era o cupido que agilizava os encontros, e só. Eu, sendo magra, tímida e tida por alguns como ‘cdf’, não me enquadrava nem no perverso esteriótipo da negra sexual. Eu era quase que invisível.[3]

A minha vida acadêmica não foi muito diferente disso, cursei Direito em uma Faculdade particular, no período da tarde. Se eu não era objeto de desejo de garotos adolescentes em uma escola pública, imagina num ambiente como esse? E assim foi sendo construída [?] minha vida afetiva [?] durante todos esses anos. A solidão sempre foi algo presente.

Há pouco mais de um ano passei a usar o meu cabelo natural, está sendo uma mudança não apenas externa, tenho repensado muito sobre minha auto-estima e identidade. Estou num processo árduo de tomada de consciência de mim mesma e da maneira como me relaciono com as pessoas. De modo geral, posso dizer que a resposta tem sido positiva em relação a minha imagem, me sinto mais bonita e recebo mais elogios. Já não me sinto tão invisível ao desejo masculino. Mas ainda assim continuo sem vislumbrar qualquer perspectiva de um relacionamento duradouro. Quando conheço alguém é impossível não pensar nas implicações e dificuldades de um relacionamento inter-racial, impossível não cogitar a ideia de que provavelmente não serei preferência na escolha de um cara que queira um ‘relacionamento sério’.

É evidente que essa dificuldade afetiva não se restringe apenas ao âmbito racial, ela se mistura a questão de classe, ambas questões estão intimamente imbricadas[4]. Nos ambientes que costumo frequentar não encontro muitas pessoas negras, principalmente mulheres negras.[5] Sei do meu lugar ‘privilegiado’, sou advogada, estou terminando minha segunda graduação e apesar de não ter um sentimento de pertencimento de classe com a classe média, estou ciente de que compartilho com ela, em certa medida, um capital cultural. Compartilho inclusive um ideal de homem para me relacionar, confesso que nunca tive o homem negro como objeto de desejo, e o inverso também é verdadeiro, geralmente homens negros tem preferência por mulheres brancas[6].

Você pode estar se questionando: “ah, mas isso é questão de gosto, de preferências, não tem nada a ver com a cor da pele.” Bourdieu, um sociólogo francês, diz em seus estudos que a ideologia mais bem sucedida é aquela que não precisa de palavras, ela se dissemina de maneira opaca e invisível. Desde a infância, através do aprendizado, cada um de nós é formado de maneiras diversas e imperceptíveis. Somos ensinados, desde a infância mais remota, a formar julgamentos sobre o mundo que nos cerca, nossas noções de belo, feio, perigoso, do que devemos gostar e do que não devemos gostar. Além da escola, a televisão, os amigos, as pessoas com quem nos relacionamos, enfim, tudo o que nos cerca contribui para nossa formação pessoal, para a formação do que chamamos de nosso “gosto”.

Forma-se nosso habitus, ou seja, uma certa forma de relacionar com o mundo, com as pessoas, e com as coisas. Um jeito de mexer, de agir, de classificar, de avaliar o mundo, de fazer escolhas quase que sem pensar, naturalmente. O gosto se manifesta nesse sentido, como um senso de distinção. É assim na construção de uma estética da mulher ideal para se ter um relacionamento[7]: mulher branca para o casamento, a mulata para o sexo e a negra para o trabalho.

Conversando com uma amiga sobre nossa dificuldade de relacionamento fixos, em certo momento ela me disse “eu sei que por mais que eu estude, crie minha independência, dificilmente vou me casar, tenho consciência de que nunca serei suficientemente boa como uma mulher branca nessas mesmas condições.” Foi com muita tristeza que ouvi essas palavras, porque no final das contas parece que é isso mesmo, passei anos da minha vida tentando entender o que havia de errado comigo, questionando como que outras garotas nem tão bonitas e nem tão interessantes tinham tanta facilidade em se relacionar.

O amor tem cor? Sim, o amor tem cor, uma vez que, sistematicamente as mulheres negras são preteridas por homens negros e brancos na escolha de parceiras para um relacionamento afetivo. É preciso dar visibilidade a essas questões, somente assim podemos iniciar um processo de modificação de práticas tão naturalizadas em nosso cotidiano.

Empoderamento afetivo, auto-estima e representatividade são importantes instrumentos para lidar com a solidão afetiva, seriam talvez uma forma de transformar a solidão e a dor em liberdade... [ou quem sabe em amor?]


Caroline Louise 
e-mail: carolinelouise3@gmail.com







  


 [1]  De acordo com o Censo 2010, 52,89% das mulheres negras estão solteiras, 24,88% estão casadas e 2,60% divorciadas. O mesmo Censo aponta que as mulheres negras são as que menos se casam e as mais propensas ao “celibato definitivo”.

[2] Dentre os estudos que trata a questão afetivo-sexual da mulher negra destaco a dissertação de mestrado de Claudete Alves “A solidão da mulher negra- sua subjetividade e seu preterimento pelo homem negro na cidade de São Paulo”; e a tese de Ana Pacheco “Branca para casar, mulata para f..., negra para trabalhar: escolhas afetivas e significados de solidão entre mulheres negras em Salvador, Bahia

[3] “Nunca namorei no colégio, e pra mim isso era normal”: https://www.youtube.com/watch?v=VQVbXk39iKE

[4]  É comum nos relatos das mulheres negras o fato de que muitas, para conseguir um relacionamento fixo acabam se relacionando com parceiros de grau de escolaridade menor que o delas.

[5] Os negros que encontro nos lugares em que freqüento, geralmente são empregados. Não é difícil me encontrar em situações acadêmicas, restaurantes e até festas em que sou a única negra. É assustador.

[6] Alguns estudos, e até mesmo algumas mulheres apontam que o homem negro de melhor condição social prefere a mulher branca. O trabalho da Claudete Alves, mostra que é incorreta essa afirmação, uma vez que, sua pesquisa demonstrou que o homem negro tem preferência pela mulher branca independente de qual seja sua classe social.

[7] Existe também o machismo que estabelece as “mulheres pra casar”, sendo a mulher branca também vitima dessa prática. Porém, no caso da mulher negra, seu corpo é apenas um objeto, não há divisões desse tipo, mulher negra não é mulher para casar.








  












terça-feira, 14 de abril de 2015

Sobre outros Eduardos ou Pelo poder da gente do lugar

Tiago

Hoje eu gostaria de usar esse espaço para falar do Eduardo, o menino de 10 anos que foi assassinado no Rio de Janeiro há alguns dias. Digo gostaria por que na verdade eu acho que não devo. Por isso vou tentar não falar exatamente dele, ou por ele. Ultimamente tenho tido muita dificuldade para falar dos outros, sobre os outros e, principalmente, sobre estes outros, sobre estes Eduardos. Quem sou eu para falar do Eduardo, da dor que sente sua mãe, sua família? Da dor que sente seus amigos que, aliás, continuam vivendo no mesmo lugar, só que agora sem o Eduardo, que partiu junto com toda família para outro lugar.
Quando penso nisso, penso que talvez aquele lugar já não seja mais o mesmo, e que por isso já não seja mais tão lugar assim, principalmente para aqueles que conheceram o Eduardo. Penso que talvez aquele lugar tenha mudado, e que agora seja outro. Mas disso, só pode dizer quem vive por lá. Só quem continua passando por aquele beco sabe e sente como aquele lugar foi e como ele é agora, depois que o Eduardo partiu. Ele deve fazer uma falta que eu daqui só posso imaginar, afinal, eu não conheci o Eduardo, e nem moro no lugar.
Nas últimas conversas com meus bons amigos, temos falado que nesse momento talvez o melhor não seja falar do Eduardo, desse Eduardo. Menos ainda falar por ele, pela mãe, pelos amigos ou pela gente dele. Temos pensado que talvez (nesse momento) não seja esse o “nosso” papel. (“Nós”: essa gente que fala, escreve e tenta explicar as coisas no jornal, nos livros, na universidade, ou no Terceiro, por exemplo). Nesse momento, entendo que mais importante é falar de quem matou o Eduardo. Não que devamos deixar de falar, de denunciar, de sentir sua morte. Não é isso que eu estou dizendo. Mas acho que não devemos falar apenas dele.
O que quero é propor uma reflexão sobre a violência que é falar por e sobre alguém. E assim dizer que, se temos que falar sobre alguém, que falemos menos dos Eduardos de Jesus, e mais dos Eduardos Bittencourts, Albuquerques, Neves, Paes, Cunhas, Vieiras, etc. Daqueles que provocam mortes sem sujar suas mãos. Daqueles Eduardos cujos pais e avôs dão nomes às nossas principais ruas, escolas, avenidas e grandes empresas. Dos que moram em outros bairros, que andam em outros carros, que trabalham em escritórios, tribunais, universidades, hospitais, dos que falam na televisão. Dos Eduardos que falam sobre “os outros” como se tudo soubessem sobre “eles”, como se tudo soubessem sobre o lugar dos outros mais que eles próprios. Proponho falarmos mais dos Eduardos que falam do Brasil todo como se ele todo fosse seu lugar. Proponho falar não dos que morrem em becos, mas dos que morrem no hospital Albert Einstein, dos que são enterrados na terra pátria em que nasceram e cresceram, sepultados entre homenagens, granitos e flores.
Lembremos que os pais do Eduardo assassinado no morro do Alemão não quiseram enterrá-lo naquela cidade. Levaram o menino para a cidade de Corrente, no Piauí. Escolheram enterrar o filho num lugar de onde se sentem parte, talvez onde se sintam queridos, acolhidos, importantes. Talvez o lugar de onde partiram, um dia, para tentar uma vida melhor na cidade maravilhosa. Porém, a julgar pelas palavras de Teresinha, mãe de Eduardo, que trabalhava de doméstica no Rio de Janeiro, acho que eles notaram que a maravilha era uma cidade, e que na cidade não cabe “todo mundo”, não pode ser um lugar para todo mundo.

 “Eu quero tirar o meu filho daqui, quero enterrar no Piauí. Vou levar o corpo do meu filho para o Piauí. Vou voltar [ao Rio] porque eu quero justiça e depois eu vou embora para lá. Não quero ficar nesse lugar maldito eu vou sair daqui”, afirmou. (G1- http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/04/mae-de-menino-de-10-anos-morto-no-alemao-diz-que-vai-deixar-o-rio.html)

Não deve ter sido fácil aumentar ainda mais o número de burocracias que a morte de um parente nos impõe, adiar as cerimônias de despedida do filho, tudo isso para que o menino ficasse num lugar que realmente o merecesse, um lugar que fosse digno de sua lembrança. Penso que mesmo do meio de todo esse sofrimento eles nos ensinaram muita coisa, coisas que a gente até já sabe, mas que não se lembra sempre.
Ao nos dizerem que o Rio de Janeiro não serve para eles (essa cidade que se diz a grande representante do país, que quer ser todos os lugares, como se tudo que se vivesse lá fosse o mesmo que se sente e se vive em todos os outros lugares do país), Terezinha e José Maria nos ensinam que não existe Brasil, pátria, nação, existe lugar. E esse é de cada um, de cada gente. Parece que, para eles, aquela cidade não se tornou um lugar, eles não encontraram um lugar naquela cidade.
Não sei se me fiz entender bem, mas o quero dizer é que precisamos falar mais dos Eduardos que falam sobre a Cidade, nos perguntando e perguntando para ele por que ele se acha no direito de falar pela Cidade, como se toda ela fosse seu lugar? Quando a gente sabe muito bem que lugar é uma coisa da gente, é uma coisa de quem conhece, de quem vive lá. E sendo a cidade tão grande, do tamanhão que dizem ser, como é que pode alguém poder falar por toda a cidade? Como pode alguém falar sobre esse tanto de lugar em que nunca viveu? Sobre um tanto de Eduardo que nunca conheceu?
Temos que questionar, por exemplo, que Direito tem o Eduardo “Especialista em Segurança” de definir qual a melhor “política de segurança” para um lugar que ele nunca viveu. Você deixaria alguém que não mora na sua casa, sem te consultar, decidir qual a melhor forma de protegê-la, de proteger a sua família? Penso que isso não é possível. Se ele não sabe do que a sua família sente medo, se não sabe o que você considera uma ameaça, e do que sua família quer se proteger, como ele pode decidir do que você e como você deve proteger? Se esse “especialista” acha que pode ajudar, ele deve começar levando a sério o que as pessoas da sua casa têm a dizer, e tem de oferecer sua ajuda a partir das escolhas que sua família fizer, e não decidir o que sua família deve escolher.
Agora transfira essa reflexão para sua rua, para o seu bairro, para o morro do Alemão, ou para o Aglomerado da Serra. Como uma “política de segurança”, “de moradia”, de “pavimentação”, de “revitalização” pode ser implantada naquele lugar sem que os moradores do lugar sejam ouvidos – e levados a sério? Do que as pessoas do lugar querem se proteger? O que as pessoas do lugar consideram perigoso? O que consideram uma ameaça à convivência naquele lugar? De que forma eles querem se proteger? De que jeito elas querem morar naquele lugar? O que elas querem arrumar, consertar, construir naquele lugar? Com que materiais, com quais pessoas, de que forma as pessoas do lugar querem construir aquele lugar? Tenho a impressão que a família e as pessoas que vivem no lugar onde Eduardo viveu e morreu não tem sido muito ouvidas sobre o que querem para o seu lugar.

terça-feira, 7 de abril de 2015

A CUMBIA PSICODÉLICA PERUANA


A CUMBIA PSICODÉLICA PERUANA

                                                                                                        Por Ric



                                                                                                                                

Trilha sonora do apartamento 201 do bloco 6 da MOP II (residência estudantil da UFMG), “The Roots of Chicha – Psychedelic cumbias from Peru” é um álbum-coletânea, compilado em 2007, destinado a divulgar um estilo de música muito contagiante, surgido na década de 60: a cumbia psicodélica peruana.

Muito mais conhecido nos outros países da nossa América, a Cumbia parece ter surgido na Colômbia, incorporando influencias bastante diversas. 
Especificamente sobre a cumbia psicodélica, uma coisa interessante que notamos - ao reproduzir o álbum em diversos contextos em nossa república aqui na moradia - foi a sensação recorrente de “soar bem aos ouvidos” de nossos visitantes. As pessoas, em geral, percebem ao mesmo tempo a novidade e a semelhança com algo que não conseguem identificar exatamente. Por isso gostaria de divulgar esse álbum como uma sugestão para que possamos expandir nosso repertório musical sulamericano. Por meio da cultura nos tornamos mais outros e menos nós mesmos, e vice-versa. Temos mais semelhanças com nossos hermanos andinos do que estamos acostumados a imaginar. Saludos!


Faixas:

1. Sonido Amazonico - Los Mirlos
2. Linda Nena - Juaneco Y Su Combo
3. Carinito - Los Hijos del sol
4. A Patricia - Los Destellos
5. Sacalo Sacalo - Los Diablos Rojos
6. Ya Se Ha Muerto mi Abuelo - Juaneco Y Su Combo
7. El Milagro Verde - Los Mirlos
8. Para Elisa - Los Destellos
9. Linda Munequita - Los Hijos Del Sol
10. Muchachita del Oriente - Los Mirlos
11. Para Elisa - Los Destellos
12. Vacilando Con Ayahuesca - Juaneco Y Su Combo
13. El Guapo - Los Diablos Rojos
14. Mi Morena Rebelde - Eusebio y Su Banjo
15. Si Me Quieres - Los Hijos Del Sol
16. Me Robaron Mi Runa Mula - Juaneco Y Su Combo
17. La Danza de Los Mirlos - Los Mirlos