- Êpa, essa viagem foi muito rápida! - Tô com muito calor! Essa roupa laranja é um inferno. - C viu? Quase morreu. Foi um grande estouro. - Os portões da escolha foi aberto. Saiu um monte de gente de uma vez. Encavalou. - Frita pastel e coxinha Rute. - Vô leva esse pilantra no pau! Zé subiu no andaime. Maria chegou na casa de Andreia para cuidar do Pedrinho. Raimundo acabou desistindo de faltar ao trabalho. Laura faltou e comprou um atestado na praça 7. Ninguém aqui é vítima. Ninguém aqui sou eu.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Entre ter e não ter, ser e não ser no/o tempo

Mayara

          Depois de outro feriado prolongado, em que o tempo "livre" pareceu um convite para ocupa-lo com demandas há muito postergadas, intensificou uma reflexão sobre como temos lidado com essa contingência cotidiana, o tempo. Não que o "problema" de lidar com o tempo não seja algo que se repita em conversas e reclamações a todo momento, mas esse assunto tem me sensibilizado toda vez que tenho vontade de fazer algo que não está nos meus planos e/ou que pode não parecer tão importante quanto os meus "compromissos" de fato. Alguns dias atrás estava na sessão do filme ”Kara’i Ha’egui Kunha Karai ‘Ete*” (Os Verdadeiros Líderes Espirituais), e no intervalo parei para conversar com o Sr. Alcindo Wherá Tupa, líder espiritual guarani que conta com 105 anos de muita experiência, foram poucas palavras, mas tudo muito intenso. Agradeci pela sua presença e perguntei algumas coisas sobre sua estadia em Belo Horizonte, ele respondeu com um belo sorriso que tinha sido muito bem recebido, mas que desejava voltar pra casa. Em meio às suas palavras, que saíam com uma incrível leveza, ele disse que as coisas aqui eram aceleradas demais. Isso me incomodou muito, pois era algo sobre o que eu já vinha refletindo bastante. A sabedoria do Sr. Alcindo é indiscutível, o conhecimento que se pode apreender em um minuto de conversa é muito maior que mil livros podem oferecer. E exatamente naquele dia, quase não fui àquela sessão de cinema porque tinha outros "compromissos", alguns, inclusive, que diziam respeito à vida acadêmica.
          Fiquei pensando como estamos sempre preocupados com o tempo, os horários ditam nossa vida e nos aprisionam em marcadores que muitas vezes são imperceptíveis. É quase impossível passarmos um dia sequer sem olhar no relógio ou tentarmos de algum modo nos situarmos no tempo. O frenesi da vida urbana retira boa parte da nossa autonomia, quanta coisa gostaríamos de encaixar nessa nossa agenda que já nem é possível cumprir? Quantas atividades deixamos de praticar devido às exigências cotidianas? Ou até mesmo quanto ócio poderia permear nossas vidas? Momentos completamente livres, sem que necessariamente planos e metas estejam na fila das responsabilidades. Coisas simples, como se dar ao direito de dormir um dia inteiro, de não ler aqueles textos pra aula, não limpar o apartamento, de ver um filme ou vários, ou de ouvir música e olhar para o horizonte… Fazer tudo o que nossa consciência nos sugere, e que nos causa um sentimento de inutilidade, culpa ou de desperdício de tempo.
          Talvez seja por isso que eu goste tanto de viajar, pois são minhas imersões num universo em que o compromisso é não ter compromisso que me faz sentir mais leve, me possibilitando ver que menos é muitas vezes mais. Os dias que passo longe do espaço-tempo que me sufoca, são momentos em que esqueço das horas, das datas, dos meios de comunicação em massa ou das redes sociais. Tento não delimitar um roteiro, me permitindo experienciar os lugares de acordo com os interesses que vão surgindo. E tudo isso renova minhas energias, mas também me faz perceber que não quero continuar imprimindo um ritmo frenético a minha vida, fazendo da exceção o que deveria ser a regra.
          O "problema" não é O tempo, mas como o utilizamos. Não adianta desejarmos que os dias durem 40 horas ou que as semanas tenham 20 dias, se iremos ocupar todo o tempo disponível com mais obrigações. A questão da relatividade do tempo (não em termos da física quântica, mas de percepções/práticas) pode ser percebida nesses instantes que resolvemos não fazer nada, nos dias mais longos das férias ou em simples momentos que ostentamos o ócio. Desapegar dos marcadores espaço-temporais implica liberdade, o que nos é negado a todo momento, para alguns ainda mais que para outros.
          É claro que muita gente não pode se dar ao luxo de se livrar dessas amarras rotineiras. Para a classe trabalhadora, que acorda cada vez mais cedo e volta pra casa ainda mais tarde, se tem uma coisa que não acelerou foram os meios de transporte público, e o tempo torna-se mais um adversário diário. No entanto, repensar esses modelos acelerados de estar no mundo, que ditam nossas relações pelo consumo, pela negação do ócio (negócio), parece-me cada vez mais necessário. Poder dedicar mais tempo a viver ao invés de somente ver a vida passar não diz respeito apenas ao que designam como qualidade de vida, mas, mais que isso, é nos dar a chance de seguirmos com o tempo e não contra o tempo.

            Obrigada Sr. Alcindo por viver tanto e tão bem!!!

*Sinopse: O filme conta a história de vida do Sr. Alcindo Moreira, um importante líder espiritual Guarani, de 105 anos de idade, e de D. Rosa Poty-Dja, sua esposa, que vivem na Aldeia Yynn Moroti Werá, Terra Indígena de Biguaçu, em Santa Catarina. A inspiração do cineasta Alberto Alvares veio da admiração e respeito pelos saberes orais transmitidos por Wera tupã, o Sr. Alcindo Moreira e sua esposa Poty Dja, Dona Rosa, que são exemplos de sabedoria e espiritualidade do Povo Guarani.

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